Notícias

Artigo: 'O tempo que nos cabe'

Publicado na edição de 30/10/2014 do jornal Correio Braziliense - Opinião, p. 13.
Correio Braziliense - Opinião
30 de outubro de 2014 às 12:00

O tempo que nos cabe


Todos nós, quase que diariamente, nos defrontamos com a exasperante sensação de não haver tempo suficiente para fazer tudo o que é necessário. A cada passo, esbarramos com pequenos fatos incidentais que desafiam nossa capacidade de não perder de vista o que é realmente importante e inadiável. O uso cunhou um termo de rara adequação para descrever tais embaraços de percurso: contratempo. A palavra dá bem a dimensão de nosso sentimento. Os contratempos têm a capacidade de subtrair de nós algo que jamais nos será devolvido.


Para a maioria daqueles que escolheram dedicar-se ao Serviço Público, esse sentimento de perda de tempo adquire dimensão mais ampla, pois nós não conseguimos ficar indiferentes ao Brasil.


O país tem carências seculares que, há muito, já deveriam ter sido superadas. Há a necessidade imediata de recuperar e expandir os sistemas de transporte e fornecimento de energia. É necessário rever a legislação e prover aos órgãos policiais os meios necessários para combater a criminalidade e a violência. É inadiável estender a toda a população o abastecimento de água potável, universalizar a coleta e tratamento de esgoto e a limpeza urbana, organizar racionalmente o uso do solo e o manejo de resíduos sólidos, estruturar um sistema eficaz para o controle de pragas e agentes patogênicos, de modo a garantir a todos ambiente seguro e favorável à saúde. É imprescindível elevar o padrão educacional a níveis de excelência. Ao mesmo tempo, é necessário rever uma estrutura tributária já quase asfixiante, corrigir um ambiente institucional confuso e garantir que a inflação não irá retornar.


Como ficar indiferentes a essas e tantas outras questões que afetam a vida dos brasileiros? Nós, servidores públicos, não estamos indiferentes. E mais do que manifestar nossa preocupação, nós sabemos que a população muito espera de nossa capacidade de trabalho. Sim, o Brasil tem esses e muitos outros problemas a resolver e os servidores públicos são parte essencial da solução.


A história já demonstrou que o Estado não deve ter a pretensão de fazer diretamente tudo o que é necessário ao país. Mas, sem a atuação do Estado, naquilo que lhe é próprio, não será possível superar nossas carências, retomar e consolidar o desenvolvimento. Para tanto, o país necessita dispor de quadros profissionais, remunerados de forma condigna e permanentemente dedicados ao Serviço Público.


Porém, não adianta ver o Estado arrecadar cada vez mais, se os recursos são dilapidados pela corrupção e o desperdício. A corrupção criminosa deve merecer vigoroso combate, na mesma medida de nossa indignação já cotidiana. Mas, talvez, a maior fonte de desperdícios se encontre na falta de planejamento e na incapacidade de gestão, além dos ainda deficientes mecanismos de governança nos órgãos públicos.


Há, dentre os servidores públicos, aqueles que escolheram trabalhar fiscalizando a gestão dos recursos, caso dos Auditores dos Tribunais de Contas. Nós bem sabemos que de nada adianta dispor de cada vez mais recursos, se não houver a capacidade de fazer bom uso deles.


Os Auditores do TCU, reunidos em Congresso realizado no início de setembro, reafirmaram nosso compromisso com o regime democrático. Nós acreditamos que somente a democracia torna possível construir as soluções que o país necessita. E também afirmamos que o Serviço Público deve ser orientado pela meritocracia e a profissionalização de seus quadros. Somos profissionais com olhos para o Brasil.


Há muito já foi dito que tudo tem o seu tempo determinado. Creio haver chegado o tempo de recuperar o senso de urgência para dar solução a todas – sim, a não menos que todas –, as questões que hoje nos separam de nossos melhores anseios para o futuro do país. Não é possível perder tempo com mediocridades que somente desviam nossa atenção do que é realmente necessário fazer. Não seremos a desculpa fácil para o fiasco de investimentos e obras inacabadas. Somos uma garantia de que esses desvios possam um dia deixar de ocorrer em definitivo.


Há razões para sermos otimistas e há muito a ser feito. Se o tempo é pouco para podermos ver construído o país que desejamos, não importa. Nós servidores públicos sabemos que, antes de tudo, é preciso fazer bem o nosso trabalho, para melhor servir ao nosso país. E o melhor que cada um de nós pode fazer, desde sempre, é dar bom uso ao tempo que nos cabe.


 

Leonel Munhoz Coimbra é Auditor do TCU e o atual presidente da AUDITAR - União dos Auditores Federais de Controle Externo.

 

 

Sou associado
E-mail ou Usuário(ID):
Senha:
Fórum da AUDITAR
 
Consultoria Jurídica
Twitter   Facebook   RSS
AUDITAR © 2024