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Despede-se um homem de bem

No dia 12/11/2014 o Ministro José Jorge proferiu seu discurso de despedida ao deixar o cargo de Ministro do TCU. O Ministro José Jorge engradeceu a Corte de Contas como exemplo de coragem serena e altivez no exercício do cargo: um homem de bem.
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16 de novembro de 2014 às 11:26

Excelentíssimo Senhor Presidente,
Ministro Augusto Nardes.
Excelentíssimos Senhores Ministros deste Tribunal,
Membros do Ministério Público,
Autoridades aqui presentes,
Senhoras e Senhores,

Hoje me despeço de uma longa trajetória de vida pública.


Minha saída deste Tribunal coincide com meu aniversário de 70 anos. Ao completar 70 anos de idade, posso afirmar que meu desejo é o de continuar olhando para frente, procurando traçar e cumprir objetivos, sonhar e realizar sonhos. Todavia, ao completar 70 anos de idade sou compelido a encerrar minha carreira no serviço público, o que me leva a olhar para trás e avaliar o caminho percorrido até aqui (o que farei de forma breve, para não dar abrigo à nostalgia que costuma frequentar despedidas).


Olhando para trás, vejo que dediquei minha vida inteira a trabalhar como homem público. Foram 47 anos de serviço ao Estado. Graduei-me engenheiro e economista. Logo após completar meu mestrado em Engenharia, aos 23 anos de idade comecei a servir à Administração Pública como professor da Universidade Federal de Pernambuco. Aos 30, fui nomeado Secretário de Estado de Pernambuco: por quatro anos Secretário de Educação e, por outros quatro, Secretário de Habitação. 


Era o início de uma longa jornada a serviço do país, que se prolongaria até o dia de hoje.


No Legislativo Federal trabalhei por 24 anos. Fui eleito Deputado Federal por quatro mandatos consecutivos. Durante esse período voltei a Pernambuco para ser Secretário de Educação novamente. Depois me elegi ao Senado, onde permaneci pelos oito anos de mandato. No Executivo Federal, fui Ministro de Estado de Minas e Energia na época do racionamento, em 2001. Em 2006 fui candidato a vice-presidente da República na chapa de Geraldo Alckmin. Presidi a Companhia Energética de Brasília, a CEB, de 2007 a 2009. Em dezembro de 2008 fui indicado pelo Senado à vaga que hoje, quase seis anos depois, deixo.


Portanto, tive uma carreira contínua de homem público, praticamente sem intervalos.


Ao olhar para trás, entendo que os relevantes cargos assumidos me permitiram alcançar realizações que ultrapassam honra, orgulho ou alegria pessoal. Ao perceber que tais realizações contribuíram de fato para uma maior dignidade do povo brasileiro, tenho a paga pelo serviço que o destino me permitiu oferecer ao país. Sinto-me grato e privilegiado. 


Dentre as realizações que mais me marcaram, a primeira foi a aprovação popular de minha atuação como Secretário de Estado em Pernambuco. Tanto como Secretário de Educação como quanto Secretário de Habitação, minha administração, sempre voltada à satisfação do interesse social, teve o comprovado reconhecimento do povo, que me elegeu o 2º Deputado Federal mais votado de meu estado, sem que eu tivesse histórico familiar político ou base no interior, o que é raro em Pernambuco.

 
Outro momento marcante de minha vida pública foi o movimento pela redemocratização do país, do qual participei quando de meu primeiro mandato como Deputado Federal. Fui, juntamente com outros deputados, dissidente do meu partido, que era, na época, o partido do governo. Apoiamos as “Diretas Já” e perdemos.


Nós, dissidentes, deixamos o PDS e criamos o PFL. Não tendo alcançado quórum qualificado de dois terços para reintroduzir na Constituição as eleições diretas para presidente, nos recompomos na Aliança Democrática, e conseguimos eleger Tancredo Neves pelo colégio indireto.


Me surpreendi com o cunho estritamente político de minha primeira importante atuação como Deputado. Afinal, eu havia me preparado para ser um técnico, um burocrata. Mas minha participação na luta pelo restabelecimento das liberdades democráticas deixou evidente, em definitivo, que eu era o “animal político” de que falou Aristóteles. A partir de então, passei a equacionar meu perfil técnico com minha vocação de homem público. Foi nesse espírito que procurei contribuir com o nascedouro da Constituição da República de 1988, como parte da Assembleia Nacional Constituinte.


Considero de grande importância o trabalho realizado na área de educação, tanto na Câmara quanto no Senado. Tive a honra de relatar os principais normativos que balizam o sistema educacional brasileiro até o dia de hoje. Inicialmente relatei o projeto que deu origem à LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que já estava há mais de dez anos na Câmara. Em seguida, relatei as duas emendas constitucionais – do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), na Câmara; e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) no Senado. Tive o privilégio, ainda, de aprovar o primeiro Plano Nacional Decenal de Educação.


No Senado, mediante árduo trabalho, consegui relatar o projeto de reforma do judiciário, que se encontrava há mais de onze anos parado. Como resultado, tivemos a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que, dentre outras providências, criou o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, a súmula vinculante do STF etc.


É interessante perceber que, ao longo de todo esse caminho trilhado, e inclusive aqui no TCU, por incontáveis vezes me deparei com pessoas extremamente competentes, dotadas de opiniões completamente opostas às minhas. Com elas discuti, aprendi e evoluí, procurando manter-me coerente com meus princípios. Nunca abri mão de minhas convicções, mas sempre levei em consideração as convicções alheias.


Acredito que minha experiência política contribuiu para uma atuação mais racional aqui no TCU. Constantemente o Tribunal sofre injustas críticas por ser composto por políticos “em final de carreira”, como alfinetam os menos informados. Coisa de quem não sabe o que diz. A composição do TCU é muito bem equilibrada.


Como órgão colegiado que é, o TCU só tem a ganhar com a importante e enriquecedora combinação entre ministros advindos da esfera técnica e ministros advindos da esfera política.


Ao se considerar que são técnicos os quatro Ministros substitutos, um Ministro titular advindo do quadro de auditores, um Ministro titular advindo do Ministério Público e os procuradores que atuam ativamente junto ao TCU, conclui-se que os ministros com histórico político são minoria nesta casa. Entretanto, considero sua participação imprescindível para a manutenção do equilíbrio das decisões do Tribunal. Primeiro porque, normalmente, são mais velhos, têm mais experiência, colaboram para que se tenha uma visão diferenciada acerca das inúmeras situações de fato que nos desafiam.


É inegável que de cada ambiente através do qual olhamos o mundo, levamos um novo aprendizado. Eu já olhei o mundo como Secretário de Estado, já olhei como Presidente de Empresa Estatal, como Deputado Federal, como Senador, já olhei como Ministro de Estado, já disputei eleição, já ganhei eleição. Cada uma das situações que vivenciei ampliou meu campo de visão, fazendo de mim um quebra-cabeças apto a reconhecer e interpretar melhor as peças que compõem a gestão pública, com viés de alguém que já teve a oportunidade de sentir as vicissitudes a que se sujeita um administrador público.


Portanto, acredito que a arquitetura de escolha dos ministros do Tribunal foi bem desenhada, propiciando um saudável equilíbrio na Corte. Não seria bom que fossem todos políticos, pois haveria uma perda técnica; nem que fossem todos técnicos, pois se perderia a riqueza da experiência política.


O grande desafio a ser enfrentado diuturnamente pelos membros desta casa, como em qualquer órgão julgador, é a interferência externa dos interessados nos resultados dos julgamentos. Para tal enfrentamento, são armas imprescindíveis aos Ministros a autonomia e a coragem para tomar a decisão correta, mesmo que essa decisão não agrade, por assim dizer, aos “poderosos do dia”. 


Convicto estou de que o trabalho de excelência que é realizado todos os dias por cada integrante deste Tribunal é convalidado pelo princípio da independência. Nada será mais importante para o fortalecimento desta instituição e para a valia e efetividade das decisões aqui tomadas do que a independência de cada agente. Sabemos que, em verdade, ninguém é 100% independente. Todos sofremos influências de diversas ordens, mas quanto mais independentes forem os ministros, os procuradores, os ministros substitutos, os auditores etc, melhor para o Tribunal, melhor para o país.


Independência é a qualidade precípua que um membro desta casa deve buscar. Pode-se tolerar um ministro que não tenha uma formação técnica tão excelente, ou um ministro que não seja muito assíduo, pois estas são defasagens passíveis de serem compensadas. Contudo, não se pode tolerar a sujeição de um ministro a interesses particulares. O Ministro do TCU tem que julgar de acordo com a sua cabeça. Mesmo quando ele erra, é melhor que ele erre com a própria cabeça do que com a cabeça de terceiros. Porque o erro em si não é tão grave, uma vez que aqui todas as decisões são tomadas de forma coletiva, podendo, portanto ser “consertadas” pelos outros ministros. No entanto, se há um desvio de conduta, o conserto pode se tornar impossível, dependendo do número de ministros dos quais a independência foi subtraída.


Por essa razão, repito mais uma vez a lógica que expus nos últimos anos: as ferozes críticas tantas vezes repetidas pelos fiscalizados contra a atuação do TCU não devem ser motivo de preocupação. Ao contrário, grave seria se os fiscalizados dissessem que “o TCU é uma mãe” – sinalizando a frouxidão do nosso trabalho.


Durante o tempo em que tive o privilégio de atuar nesta casa, procurei ter em mente a todo momento que a função principal do TCU é proteger o Erário. Por muitas vezes nos deparamos com casos de difícil solução, em que alguns direitos subjetivos são ameaçados. No entanto, o TCU não é Poder Judiciário. Há sempre, para aquele indivíduo que está sendo julgado, a possibilidade de recorrer à Justiça. Mas nós somos uma Corte de Contas, criada para defender o dinheiro público. Aqui praticamos a máxima de que “o todo precede a parte”.


Nos últimos dois anos fui relator dos órgãos e entidades que compõem a estrutura do Ministério de Minas e Energia. Nessa condição, tive a oportunidade de trazer ao conhecimento dos senhores ministros alguns processos importantes sobre o setor elétrico e a Petrobrás.


Relatei, por exemplo, auditoria operacional destinada a avaliar os efeitos da Medida Provisória 579/201, na Conta de Desenvolvimento Energético. Pela relevância do tema, convoquei audiência pública com o objetivo de incorporar contribuições de diversos atores, como autoridades governamentais, representantes de concessionários, especialistas e consumidores.


Verifiquei, entre perplexo e preocupado, que o valor assumido pela CDE para fazer frente às medidas implementadas pela MP atingiu, até o momento, o montante de 61 bilhões. Na tentativa de viabilizar a redução da tarifa de energia elétrica de forma abrupta e sem estudos mais aprofundados, a intervenção patrocinada pelo governo, a par de se mostrar ineficaz, desorganizou o setor.


O cenário que temos hoje é o da anulação da redução de tarifa concedida (redução essa que não valeu nem dois anos) e o do desequilíbrio financeiro das empresas do setor, que hoje têm em sua conta bilhões de reais a serem pagos ou pelos consumidores ou pelos contribuintes (que no fundo são os mesmos).


Além disso, as hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste operam hoje com apenas 17%, e as do Nordeste com ínfimos 14% de sua capacidade – valor inferior ao que motivou a decretação do racionamento de 2001.


Estamos, portanto, na mão de São Pedro. Eis a situação do setor elétrico: empresas completamente desequilibradas do ponto de vista financeiro; reservatórios vazios; redução de tarifa anulada e; grandes dívidas a serem pagas pelos consumidores e contribuintes.


Quanto à Petrobras, não preciso dizer muita coisa. É triste ver a situação a que chegou a companhia. Além de ser utilizada, indevidamente, como instrumento de contenção da inflação, por meio do represamento do preço dos combustíveis, foi vítima de desvio e má gestão. O processo que trata da aquisição da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, é emblemático. O processo ainda tem longo caminho a percorrer, mas diante dos fortes indícios de uma operação desastrada e fraudulenta, tenho como acertada a decisão desta Corte de Contas em citar os envolvidos e tornar seus bens indisponíveis. Reforçam minha convicção as informações de que personagens dessa operação estão se livrando de seus bens ou tornando-os inalcançáveis às mãos da justiça.


Hoje me despeço deste Tribunal com a certeza de que combater o bom combate, como acredito que fiz, só foi possível graças à preciosa colaboração dos servidores do meu gabinete. Faço então um especial agradecimento ao Marcelo, Rita, Dora, Patrícia, Bia, Leidiane, Jorge, Bruna, Desirê, Danilo, André Vilanova, André Mendonça, Jane, Luiz Felipe, Mônica, Luciana, Alexandre, Caixeta, Sidney, Cícero, Airton. Cada um com seu dom e à sua maneira, certamente contribuiu com o agradável ambiente de trabalho que tivemos e para a entrega de um trabalho firme e eficiente, a este Tribunal e a este país.


Enalteço aos meus ilustres pares pela rica troca de ideias que possibilitaram meu amadurecimento como Ministro deste Plenário. Ao Ministro Presidente Augusto Nardes, aos Ministros Aroldo Cedraz, Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Raimundo Carreiro, José Múcio Monteiro Filho, Ana Arraes e Bruno Dantas, aos Ministros-substitutos Augusto Sherman, Marcos Bemquerer, André Luis de Carvalho e Weder de Oliveira, meu muito obrigado.


Agradeço ao Procurador-Geral Paulo Bugarin, aos procuradores Lucas Furtado, Cristina Machado, Marinus Marsico, Júlio Marcelo de Oliveira e Sergio Caribé.


Meu reconhecimento aos Secretários Alden Mangueira, Eduardo Monteiro e Maurício de Albuquerque, e, em nome destes, o meu reconhecimento a todos os demais Secretários, pelo valioso trabalho prestado ao Tribunal. 


Por fim, e de forma mais que especial, expresso minha profunda gratidão à minha esposa Socorro, companheira dedicada e sábia conselheira, ao meu genro Feitosa, minha netinha Lulu e meu amado neto Felipe, cujas presenças me alegram nesta tarde grave.


Nossa Constituição hoje me impõe a aposentadoria. Em forma de protesto, deixei-a para o último dia - para que fique registrado que eu gostaria de continuar trabalhando. E é o que farei. Vou continuar a oferecer à vida meus conhecimentos e experiência, até quando Deus me permitir. Eu não uso bengala, nem estou doente. Portanto, não há nenhuma razão para eu parar de trabalhar. O sentimento que hoje trago comigo é de gratidão por todo o aprendizado adquirido e pela oportunidade que tive de colaborar, com humildade e zelo, para o desenvolvimento do nosso país.


Muito obrigado.


José Jorge


http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/idSisdoc_8212518v2-46%20-%20Discurso%20de%20Despedida.pdf

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