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Artigo: regulação tarifária no setor elétrico

Artigo aborda metodologia para reajuste de tarifas e os riscos de estrangulamento da capacidade de financiamento da distribuição de energia elétrica. De cada R$ 100 da tarifa média cobrada dos consumidores, impostos e encargos respondem por 45%.
Claudio J. D. Sales, Richard Lee Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro | VALOR ECONÔMICO
22 de janeiro de 2015 às 13:33

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 Custo de capital regulatório e investimentos em energia

 

A distribuição de energia elétrica é um elo da cadeia de valor do Setor Elétrico Brasileiro que segue a lógica de monopólios naturais. Tais monopólios são "naturais" porque, como o próprio nome diz, faz sentido haver apenas um operador para o serviço público em questão em função da possibilidade de compartilhamento de infraestrutura que resulta em baixos custos de conexão de usuários adicionais após a implementação da infraestrutura inicial, o que torna antieconômica a inserção de mais de um operador numa mesma região.


No entanto, como não há competição, é necessária a atuação do Estado para evitar a livre definição de preços por parte do monopolista natural que opera a concessão do serviço. É por isso que a distribuição de eletricidade têm suas tarifas reguladas. No caso brasileiro, a Aneel exerce o papel de regulação tarifária e sua atuação deve ser blindada de interferências políticas e pautada, portanto, pelo respeito a leis e contratos de concessão e pelo perfil técnico.


Um exame "anatômico" da conta de luz revela que, de cada R$ 100 da tarifa média cobrada dos consumidores, impostos e encargos respondem aproximadamente por 45%, a compra de energia gerada pelas usinas por 25%, e a transmissão de energia por 6%. Isto quer dizer que cerca de 76% da tarifa é composta por itens que as distribuidoras não controlam e que são simplesmente repassados pelas distribuidoras aos consumidores. Por diferença, apenas 24% da conta de luz se referem à chamada "Parcela B", que por sua vez é responsável pela cobertura dos três componentes sob gestão das 63 distribuidoras nacionais: a) custos de operação e manutenção; b) reposição de ativos; e c) remuneração de capital.

 

O ritual de definição de tarifas ao longo do tempo respeita os chamados "ciclos de revisão tarifária periódica", cuja duração varia entre três e cinco anos, sendo que a grande maioria das 63 concessionárias têm ciclos de quatro anos. A cada ciclo de revisão tarifária os três componentes acima são recalculados integralmente e há o chamado "reposicionamento tarifário". A equilibrada definição do último componente - remuneração de capital - é de vital importância para manter a atratividade do segmento de distribuição de energia elétrica e garantir investimentos futuros.


A Aneel, mantendo sua disciplina dos ciclos anteriores, submeteu à sociedade, por meio de audiência pública, sua proposta de metodologia para o "Quarto Ciclo de Revisão Tarifária Periódica (4CRTP)" em agosto de 2014, proposta esta que incluiu sua visão sobre a taxa de retorno que remuneraria os concessionários para os próximos quatro anos, em média. No jargão financeiro, também adotado pelo setor elétrico, estamos nos referindo ao "WACC regulatório", onde "WACC" é o acrônimo em inglês para Custo Médio Ponderado de Capital (Weighted Average Cost of Capital), indicador que pondera as participações de custo de capital próprio e custo de capital de terceiros.


Conforme a Nota Técnica 180/2014-SRE/Aneel, a taxa de retorno regulatória é calculada com base em médias históricas de uma série de parâmetros nos últimos dois a 30 anos. Em relação ao custo de capital de terceiros, utiliza-se a média do prêmio de risco de crédito de empresas americanas de energia com "rating" compatível com os das empresas no Brasil, somada à mediana do prêmio de risco país e à média da taxa livre de risco dos Estados Unidos. Para o capital próprio adota-se o CAPM Global histórico.


O aspecto mais atraente desta metodologia é o fato de ser objetiva. Definidos os critérios e prazos para cada um dos parâmetros, qualquer agente pode calculá-lo e acompanhar a sua evolução ao longo do tempo, proporcionando previsibilidade às futuras atualizações do custo de capital regulatório.


A sua desvantagem é que ela não é prospectiva. Por ser baseada em dados históricos, a metodologia sempre resultará em um custo de capital defasado no tempo. Isso não é inteiramente ruim, pois as captações das empresas de energia elétrica tendem a ser feitas por prazos relativamente longos, o que faz com que o custo de capital das empresas apresente certa inércia.

 

O perigo dessa abordagem é que ela pode distorcer as decisões futuras de investimento, sendo que a situação mais dramática pode ocorrer em períodos de elevação do custo de capital no mercado de capitais, o que resulta numa taxa de remuneração regulatória inferior à taxa de retorno exigida pelo mercado. Neste caso, é muito difícil para as empresas captarem recursos para realização de novos investimentos.


Deixando de lado o mundo conceitual, haveria ameaça real de uma situação como essa? Infelizmente a resposta é "sim" quando são consideradas: 1- as avaliações de agências de classificação de risco; 2- as expectativas econômicas dos agentes do mercado; 3- as projeções de analistas do mercado acionário; e 4- a curva de crédito. Estas quatro análises corroboram a tese de que o custo de capital no Brasil está numa fase ascendente, sendo que a incerteza reside mais na magnitude e velocidade do aumento.


Este cenário de elevação de custo de capital pode levar a um estrangulamento financeiro caso se utilize médias históricas baixas para a fixação do custo de capital para fins de revisão das tarifas nos próximos anos. Seria, portanto, extremamente imprudente fixar o custo de capital regulatório num patamar inferior ao real custo de captação das empresas por um período de vários anos.


Assim, é crucial que a Aneel leve em conta tais perspectivas e defina um WACC regulatório para os próximos anos compatível com os custos de captação no mercado para evitar um estrangulamento da capacidade de financiamento da distribuição de energia elétrica e para garantir os investimentos bilionários anuais necessários para manter o atendimento adequado aos consumidores.

 

Claudio J. D. Sales, Richard Lee Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro são do Instituto Acende Brasil

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