|
TCU já apontara problemas na Abreu e LimaCustos dispararam com erros, mudança em projeto e aumentos em contratos superfaturados. TCU apontou 'deficiências' e 'fragilidades' nos estudos de viabilidade do empreendimento. TCU abriu mais de 20 processos para apurar irregularidades na obra.José Casado, Danielle Nogueira e Vinicius Sassine | O GLOBO
22 de junho de 2014 às 10:51
RIO E BRASÍLIA — O Tribunal de Contas da União (TCU) acompanha os gastos em Abreu e Lima desde o início das obras. Construiu um acervo de auditorias sobre “deficiências” no projeto básico e “fragilidades” no estudo de viabilidade técnica e econômica do empreendimento. Já iniciou mais de duas dezenas de processos por suspeitas de prática de sobrepreço ou superfaturamento. A Petrobras nega qualquer irregularidade. Na sexta-feira, em nota, informou que “continua em entendimentos com o TCU, demonstrando que não há sobrepreço ou superfaturamento nas obras”. Para a empresa estatal, as críticas do tribunal sobre os contratos de Abreu e Lima têm origem em uma “divergência metodológica” que “vem esclarecendo desde 2008”. Acrescentou: “O tribunal considera a tabela de custos para construção de rodovias, e a Petrobras contabiliza itens específicos para a construção da refinaria. É importante ressaltar que ainda não há um parecer conclusivo do TCU sobre o assunto”. Na semana passada, quatro dos maiores contratos de obras e equipamentos estavam sob análise da Secretaria de Fiscalização de Obras de Energia do tribunal, em Brasília. Neles, já foram identificados acréscimos irregulares de custos de ao menos US$ 219 milhões. Os auditores acham que essa conta ainda pode dobrar, para US$ 478 milhões. Esses contratos são para construção de unidades-chave da refinaria (coqueamento, hidrotratamento/geração de hidrogênio, destilação atmosférica e tubovias). Auditores registraram em relatório que, se a Petrobras tivesse insistido na renegociação, poderia ter economizado muito. Não aconteceu. E nos 70 meses seguintes à assinatura dos contratos foram autorizados 26 aditivos aos contratos de três unidades (hidrotratamento, geração de hidrogênio e destilação atmosférica). Isso representou mudanças relevantes nos custos desses projetos a cada dois meses e meio, acima da margem que o TCU já considerava como perda milionária para a Petrobras. APENAS UM CONTRATO TEVE 17 ADITIVOS Aditivos foram usados de maneira intensiva. Um dos contratos de obras, com o consórcio Camargo Corrêa e WorleyParsons, recebeu 17. Somaram US$ 171 milhões em aumentos. Outro, com as empreiteiras Queiroz Galvão e Iesa, teve 16, no valor de US$ 473 milhões — dois dos quais, no total de US$ 178 milhões, foram autorizados numa mesma reunião do Conselho de Administração da refinaria, em 2012. No ano passado, houve aumento de US$ 358 milhões em um único contrato da Tomé Engenharia. O serviço de terraplanagem da refinaria foi contratado por US$ 186,5 milhões em julho de 2007, com as empreiteiras Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão e Galvão Engenharia. Recebeu dezena e meia de aditivos até 2009, quando expirou. Ao examiná-lo, o TCU identificou superfaturamento de US$ 30,2 milhões. Provocou uma redução de US$ 21,3 milhões no valor do contrato, determinando à Petrobras a execução das garantias oferecidas pelas empresas, para evitar o prejuízo. Não era o fim da história. Como a Petrobras “não avaliou corretamente os riscos ao contratar a terraplanagem”, registrou-se em relatório do tribunal, as “estradas” abertas para os tubos que interligam as unidades de Abreu e Lima ficaram vulneráveis a variações climáticas. Essas tubovias têm 12 linhas de dutos sobrepostas, cada uma com sete quilômetros de extensão. Quando vieram as chuvas, não havia sistema de drenagem no terreno. E o leito escavado para abrigar os dutos acabou se transformando num grande canal de escoamento de água. Inundadas, as fundações das tubovias foram erodidas. Custo da correção: US$ 78 milhões. Abreu e Lima guarda mistérios. Um deles é a dimensão do custo da mudança tecnológica realizada na refinaria. No início, era um empreendimento para refino de 200 mil barris de petróleo por dia, com foco na produção de óleo diesel. Previa-se que metade de sua capacidade seria ocupada com o petróleo pesado extraído pela PDVSA na bacia do Rio Orinoco, na Venezuela. O canteiro de obras foi aberto, e contrataram-se equipamentos, mesmo sem um projeto básico. Em 2009, o empreendimento anunciado por US$ 2,3 bilhões já custava US$ 13,4 bilhões nas planilhas da Petrobras — quase o triplo do limite definido em Caracas para participação da PDVSA, estabelecido em US$ 4,6 bilhões. A estatal venezuelana desistia, mas o governo brasileiro e a Petrobras relutavam em aceitar a negativa. Nas sucessivas reuniões, técnicos das duas empresas realçavam diferenças de percepção, até mesmo sobre o relacionamento entre as respectivas estatais e seus governos. Quem acompanhou as negociações notou que os venezuelanos consideravam a Petrobras uma empresa capitalista, apesar de controlada pelo Estado. Já os brasileiros, formados na tradição monopolista, encaravam a PDVSA como rival — potencial concorrente dentro do mercado brasileiro. O impasse se estendeu por quatro anos desde o anúncio oficial do projeto. Em 2009, a Petrobras viu-se diante de um sério problema: tinha construído duas unidades — “trens”, no jargão do setor — para processar petróleo do Orinoco e da Bacia de Campos, e ficou sem o imaginado sócio venezuelano, que deveria fornecer metade do petróleo necessário. Por causa dele, na prática, a Petrobras erguia uma espécie de “combo”, ou seja, duas refinarias em uma. ESTATAL REFUTA TODAS AS SUSPEITAS A Petrobras resolveu, então, reformatar a refinaria. Aumentou em 25% a capacidade de processamento, para 230 mil barris por dia e redesenhou as unidades de refino — os “trens”, no jargão do setor. A negociação entre as estatais do Brasil e da Venezuela só teve um epílogo oficial em dezembro passado, quando refinaria foi incorporada à empresa-mãe. A Petrobras assumiu integralmente o custo bilionário do projeto, refutando todas as suspeitas de irregularidades. A PDVSA se tornou o sócio que foi sem nunca ter sido. Como não teria sequer assinado um contrato de acionistas, inexiste chance de responsabilização ou cobranças, admitiu dias atrás a presidente da Petrobras, Graça Foster. Não se conhecem detalhes sobre o impacto financeiro da mudança tecnológica na refinaria. É certo que o improviso é parte significativa de uma conta que pode chegar a US$ 20,1 bilhões, pelas projeções da Petrobras. Quando inaugurada, em novembro deste ano, Abreu e Lima deverá produzir um óleo diesel de qualidade, com baixo teor de enxofre, que vai atender a demandas da nova legislação ambiental, mas com o custo acima do dobro da média mundial.
|