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Petrobras criou empresas de fachada

Relatório de Auditores do TCU revela que Petrobras criou empresa de fachada para construir gasoduto bilionário. Auditoria apontou que obra teve custos superfaturados em mais de 1.800%.
Vinícius Sassine | O GLOBO
04 de janeiro de 2015 às 11:59

BRASÍLIA — A Petrobras criou "empresas de papel" para construir e operar a rede de gasodutos Gasene, conforme constatação da Agência Nacional de Petróleo (ANP) reproduzida numa auditoria sigilosa do Tribunal de Contas da União (TCU).


O trecho do empreendimento que fica na Bahia - e, de acordo com técnicos do tribunal, teve os custos superfaturados em mais de 1.800% - foi inaugurado com pompa em 26 de março de 2010 pelo governo federal. Oito dias depois, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, deixou o governo para se candidatar à Presidência da República. Ela foi à festa de inauguração em Itabuna (BA) com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Petrobras na época, José Sérgio Gabrielli, e a então diretora de Gás e Energia da estatal, Graças Foster, atual presidente da empresa. 

 

Auditores do TCU constataram que a ANP autorizou a construção e a operação do gasoduto sem analisar os documentos das empresas e sem avaliar se o projeto era adequado. A agência reguladora pediu uma cópia do contrato de operação e manutenção do trecho entre Cacimbas (ES) e Catu (BA) em 4 de março de 2010, conforme ofício anexado ao processo que tramitou na ANP. Não houve exame do contrato, "repetindo o mero check list promovido na fase de autorização para a construção", escreveram os auditores. Três semanas depois, Lula e Dilma inauguravam o trecho, hoje em operação.

 

Documentos revelam como as empresas criadas para a construção da rede de gasodutos - uma engenharia financeira para dar aspecto de empreendimento privado ao negócio - tinham características de fachada. Um contrato de prestação de serviços foi assinado em maio de 2005 entre a Transportadora Gasene S.A., constituída pela Petrobras para tocar as obras, e a Domínio Assessores Ltda., um escritório de contabilidade no Rio. As duas empresas aparecem no contrato com o mesmo endereço: Rua São Bento, no quinto andar de um prédio no Centro. O próprio contrato menciona que o escritório de contabilidade "concordou em fornecer à contratante um endereço para abrigar sua sede".

 

O mesmo documento diz que o dono da Domínio, Antônio Carlos Pinto de Azeredo, se comprometia a exercer o cargo de presidente da Transportadora Gasene, função ocupada entre 2005 e 2011. Em reportagem publicada pelo GLOBO em 24 de dezembro, Azeredo declarou que era apenas um "preposto" da Petrobras no cargo, com o exercício de uma "função puramente simbólica". O fato de existir um laranja à frente da empresa, responsável por investimentos de R$ 6,3 bilhões, corrobora o aspecto de fachada do empreendimento - uma sociedade de propósito específico (SPE) com capital privado, administrada por uma empresa chinesa contratada sem licitação e com comprovados gastos públicos, conforme a auditoria.

 

"A ANP considerou que as firmas transportadoras criadas nesse arranjo financeiro 'seriam apenas empresas de papel'", constataram os técnicos do TCU no relatório da auditoria. A subsidiária da Petrobras responsável por operar as redes de gasoduto é a Transpetro, que assinou contrato com a Gasene.

 

A interpretação da ANP sobre o aspecto de fachada do empreendimento é compartilhada pelos auditores do TCU. "Em toda a cadeia quem estabelece os desígnios é a Petrobras. Desse modo, assevera-se que este contrato para operação e manutenção com a Transpetro e os demais realizados visaram apenas a formalizar a relação de subordinação entre as sociedades, de modo a dar contornos legais e de aparente normalidade a toda estruturação financeira que foi desenvolvida", cita a auditoria, que ainda será votada, mas já foi enviada para os procuradores da República responsáveis pela Operação Lava-Jato para que seja incorporada às investigações de corrupção na estatal.

 

Mesmo tendo apontado a existência de "empresas de papel", a ANP abdicou da atribuição de fazer uma análise técnica do empreendimento, conforme conclusão de inspeção feita em três processos da agência relacionados ao Gasene - um com pedido de autorização da construção de um trecho, outro com instrução de decreto de utilidade pública para o gasoduto e um terceiro sobre aprovação dos projetos de referência. "Em termos de análise técnica da ANP, a inspeção constatou que ela inexistiu, limitando-se, nos processos de autorização para construção e operação, a checar a entrega dos documentos exigidos", afirmam os auditores.

 

"Chama atenção o fato de um projeto dessa magnitude, na ordem de R$ 3,78 bilhões (valor referente somente ao trecho Cacimbas-Catu), não ter avaliação crítica dos estudos apresentados pela Petrobras para efeitos de autorização para a construção", afirmam. Segundo a auditoria, a ANP deixou de avaliar a viabilidade do projeto bilionário, embora o capital social da empresa contratada fosse de apenas R$ 10 mil, indicando que poderia tratar-se de fachada.

 

A inauguração do trecho do gasoduto em Itabuna, na Bahia, teve a participação de autoridades graduadas do governo Lula. Cerca de 5 mil pessoas compareceram ao parque de exposições. Dilma discursou com referências ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Gasene, apesar da operação financeira para configurá-lo como empreendimento privado, foi incluído no PAC e contou com 80% de financiamento pelo BNDES. Uma empresa chinesa, a Sinopec International Petroleum Service Corporation, foi subcontratada sem licitação, por R$ 266,2 milhões, para gerenciar o gasoduto.

 

- O PAC não é ficção, e o Gasene hoje prova isso. Demos um show de competência aqui - discursou Dilma.

 

Fiador da candidatura de Dilma, eleita em outubro daquele ano, Lula também discursou:

- Essa obra significa mais um degrau na conquista de independência do Nordeste brasileiro. Nós não estamos tirando nada de nenhum lugar do Brasil.

 

Participaram ainda Gabrielli, que é da Bahia, e o governador do Estado na ocasião, Jaques Wagner (PT), reeleito naquele ano, além de Graças Foster e do presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Gabrielli responde a acusações relacionadas à sua gestão, como o prejuízo de US$ 792 milhões na compra da refinaria de Pasadena, no Texas, e o superfaturamento na construção da refinaria de Abreu e Lima (PE).

 

Wagner é o atual ministro da Defesa e um dos principais conselheiros de Dilma. Graça balança no cargo devido à crise na Petrobras. E Machado, incriminado por delatores do esquema de desvio de recursos da estatal, licenciou-se do cargo de presidente até ontem.

 

O Gasene foi incorporado pela Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da Petrobras, em janeiro de 2012, com ativos de R$ 6,3 bilhões. Os três trechos já foram concluídos: são 130 quilômetros entre Cacimbas e Vitória (ES); 303 quilômetros entre Cabiúnas (RJ) e Vitória e 954 quilômetros entre Cacimbas e Catu.

 

A auditoria do TCU foi feita no trecho mais longo. Além de superfaturamento, os técnicos apontaram dispensa ilegal de licitação, inexistência de projeto básico e pagamento sem a prestação do serviço. A votação na sessão reservada de 9 de dezembro foi suspensa devido a pedido de vista. O relatório aponta como responsáveis pelas irregularidades Gabrielli e o ex-presidente da Transportadora Gasene Antônio Carlos Azeredo. Os técnicos sugerem a aplicação de multas aos dois.

 

Ao GLOBO, a Petrobras informou que "já apresentou esclarecimentos detalhados nos processos de auditoria do TCU no Gasene e aguarda sua manifestação". A ANP informou que "só vai se pronunciar depois da publicação do acórdão do TCU. O acórdão é o instrumento final pelo qual o TCU se pronuncia como órgão fiscalizador", informou a agência.



Leia mais em:

http://oglobo.globo.com/brasil/petrobras-criou-empresa-de-fachada-para-construir-gasoduto-bilionario-14961447#ixzz3NrSSZB6Z 


Entenda melhor o caso:

http://auditar.org.br/web/?h_pg=noticias&bin=read&id=1916

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