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A cobra fumou em Monte Castelo

O dia em que os pracinhas brasileiros conquistaram Monte Castelo. Eternos heróis, jamais esqueceremos.
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21 de fevereiro de 2015 às 12:00

O Brasil só vai entrar na Guerra no dia em que a cobra fumar”, assim diziam os céticos, sobre a real disposição dos brasileiros para responder ao torpedeamento de navios do Brasil, por submarinos alemães e italianos, em mares internacionais. 

 

Quando os ataques chegaram ao litoral brasileiro, a população foi às ruas para exigir um basta às agressões que, até o final da guerra, ceifariam a vida de 1.055 brasileiros (homens, mulheres e crianças) a bordo de navios mercantes e de passageiros. Foi nesse contexto que o Brasil declarou guerra às potências nazi-fascistas.

 

Com a decisão de enviar um contingente militar para combater na Europa, o Brasil constituiu a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Destacada para combater na Itália, a FEB adotou como emblema a figura de uma cobra fumando.


 

Em um dos episódios mais marcantes da epopéia da FEB na Itália, os brasileiros viriam a conquistar o Monte Castelo, o qual, por sua posição estratégica,  era mantido pelas tropas nazistas com uma encarniçada resistência.

 

 

 

Há setenta anos, em 21/2/1945, os brasileiros finalmente conquistariam o baluarte nazista. Quem conta a história do dia em que a cobra fumou em Monte Castelo é o correspondente de guerra Joel Silveira:

 

Eram 8h da manhã quando o general [Cordeiro de Faria] me cedeu seu lugar diante da luneta binocular e me disse:

 

- Começamos a atacar às 6 da manhã. As tropas em ofensiva constituem o 1º Regimento de Infantaria, o Sampaio. Os seus três batalhões avançam na seguinte ordem: o 1º comandado pelo Major Olívio Godim de Uzeda, segue pela esquerda; o 2º comandado pelo Major Sizeno Sarmento, vai pelo centro; e o 3º, comandado pelo Tenente Coronel Emílio Rodrigues Franklin, partirá da direita. Nossa intenção é envolver todo o morro e, em coordenação com a ofensiva americana que já conquistou Belvedere, arrancá-lo das mãos nazistas até o fim da tarde de hoje.

 

Vejo, através da luneta, os nossos pracinhas agachados lá na frente, grupos aqui e ali rastejando na direção do cume de onde atiram, com suas curtas e sinistras gargalhadas, as terríveis "lurdinhas" alemãs. Agora mesmo um deles encostou-se num pedaço de muro destruído e aponta sua Thompson para qualquer lugar lá em cima. Os morteiros nazistas rebentam nas faldas do sul, mas nossa artilharia reinicia seu canhoneio sistemático e certeiro, como fizera toda à noite.

 

(...)

 

Há uma ordem rápida pelo rádio, e os tiros agora estão perfeitamente ajustados no eficiente conjunto de toda a artilharia. À esquerda, sobre posições americanas além de Belvedere, cinco ou seis Thunderbolts descem em picada, rápidos como um peso despencado de cima, e metralham impiedosamente os nazistas em defensiva.

 

(...)

 

Os nazistas tentavam impedir a progressão dos brasileiros com um fogo concentrado de morteiros. (...) O ataque americano, que começara na noite anterior, estava sendo efetuado por toda uma divisão especializada, a 10ª de Montanha, recentemente chegada a este setor.

 

(...)

 

Daí por diante, os acontecimentos se sucederam nesta ordem, conforme me dizem os quase indecifráveis apontamentos que fui tomando às carreiras, entre uma olhada de binóculo e uma informação dos rádios:

 

(...)

 

- Às 12h30min, o Major Uzeda, que avança pela esquerda, pede proteção de artilharia para que possa alcançar um ponto na sua frente, e o General Cordeiro ordena às baterias: “Cinco rajadas de morteiro sobre 813”.

 

- Às 13h55min, um dos batalhões avisa que foram avistados reforços alemães que começam a chegar a Castelo. Ao lado direito, o Coronel Franklin está detido com o seu 3º Batalhão. O Major Uzeda previne pelo rádio que tentará envolver Castelo pela esquerda.

 

(...)

 

- Às 15h30min o Major Uzeda diz pelo rádio: "Meus homens estão prontos para atacar". Olho pelo binóculo que me emprestou o Coronel Miranda Correia e vejo, lá em cima, no 930, os soldados em formação de ataque, esparsos pelos pequenos vales e deitados na pouca neve que o sol ainda não conseguira mandar embora.

 

(...)

 

- Às 16h3min o Coronel Franklin informa pelo rádio que seus homens ocuparam Fornelo, à direita de Castelo e próximo ao seu cume. Tratava-se de um ponto forte inimigo, eriçado de metralhadoras, que foi dominado pelos nossos soldados. Fornelo foi um dos pontos em que foram barrados, em novembro e dezembro últimos, os anteriores ataques brasileiros contra a montanha tão cruel. Continua progredindo o batalhão do Coronel Franklin.

 

(...)

 

Aqui dentro, ninguém diz nada. O general colocou definitivamente os olhos na luneta, e seus dedos - vejo bem - alisam automaticamente um pedaço da mesa. O Coronel Correia diz num fiapo de voz:

 

Todo mundo está andando...


- Às 17h40min os homens do Major Uzeda alcançam Esperança, outro ponto forte nazista no setor 930.

 

- Às 17h45min o General Cordeiro de Faria afasta-se das lunetas, vira-se para mim e diz: "Praticamente Castelo está conquistado". Chegam também informações sobre a situação dos americanos: eles não conseguiram ainda tomar Toraccia, e o avanço brasileiro sobre Castelo terá que ser feito com aquela estratégica posição ainda em mãos dos nazistas.

 

- Às 17h50min a voz do Coronel Franklin vem forte pelo rádio: "Estou no cume do Castelo". E pede fogos de artilharia sobre pontos inimigos além do monte. "Castelo é nosso", diz-me o general. Mais três minutos, e as baterias estão canhoneando Caselina, Serra e Bela Vista. Os nazistas respondem com morteiros. Mas nada mais adiantaria, porque, como me diria no dia seguinte o Coronel Franklin, "estamos em Castelo e ninguém mais nos tira daqui".

 

 


A FEB ainda enfrentaria outras batalhas depois de Monte Castelo, e mesmo depois de encerrada a própria guerra. Mas o maior de todos os legados deixados pelos “pracinhas” seria o exemplo. A capacidade dos brasileiros de lutar para defender a liberdade; conquistar e preservar a democracia no Brasil.


Conheça um pouco mais sobre a história da FEB:

 

Barone, João. “1942: O Brasil e sua guerra quase desconhecida” – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.

 

Giovanni Sulla, Ezio Trota. "Gli eroi venuti dal Brasile; Storia fotografica del corpo di spedizione brasiliano in Italia (1944-45)" (em italiano) Modena, Il fiorino, 2005.

 

Morais, João Baptista Mascarenhas de. "A FEB por seu comandante" – Biblioteca do Exército, 2005.

 

Silva, Hélio. “1944: O Brasil na guerra” – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.

 

Silveira, Joel.  “O Inverno da Guerra” – Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

 

Visite:

http://www.anvfeb.com.br/

 

http://www.sentandoapua.com.br/portal/

 

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