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Saneamento retrata o atraso do país

Metade das obras de saneamento do país está parada, atrasada ou sequer foi iniciada. TCU aponta que 57% de 491 contratos do PAC têm problemas de andamento. .
Vinícius Sassine | O GLOBO
06 de abril de 2015 às 09:00

BRASÍLIA — Numa das raras vezes em que olhou para o Condomínio Porto Rico, um bairro periférico numa região administrativa de Brasília, o Estado se mostrou falho, ineficaz e ausente. O auxiliar de serviços gerais Francisco Viana, de 18 anos, estava lá para provar.


Na tarde de quarta-feira, Francisco cavava uma fossa, com terra até o peito, em frente à casa nova do tio no Porto Rico. A fossa — um dos mecanismos mais rudimentares de coleta de dejetos — era aberta a dois metros da tubulação de esgoto instalada pelo governo do Distrito Federal, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.

 

A rede coletora não foi concluída e não funciona. As obras da estação elevatória para onde deveriam ser levados os dejetos se resumem a um lote cercado por arame farpado, demarcado pela empresa de saneamento do DF.


Nem uma das tradicionais placas oficiais, anunciando a presença do governo na região, chegou a ser instalada no local. Os moradores desconhecem que o Estado programou alguma ação ali. O esgoto, fétido, escorre sobre as ruas de terra batida. Os moradores ainda dependem de fossas como a cavada por Francisco.

Ninguém quer cavar mais fossa. O governo tem de liberar logo a rede para a gente usar — diz o jovem, que conclui uma escavação em dois dias.


O sistema de acompanhamento da obra no site da Caixa Econômica Federal (CEF) mostra o projeto como “paralisado”, com menos de 5% de andamento. De R$ 1,9 milhão previstos no PAC, num contrato assinado em 2011, foram liberados até agora apenas R$ 84,3 mil. O abandono da comunidade de Porto Rico, que chegou perto de ter acesso a saneamento básico e que precisa fazer proliferar as fossas pelas ruas, não é algo isolado.


O GLOBO acompanhou três projetos de saneamento básico, em Brasília, que resumem as dificuldades do poder público em fazer avançar a universalização da coleta, do tratamento de esgoto e do fornecimento de água tratada. Por problemas diversos, da deficiência num projeto de engenharia à falta de recursos e falhas na licitação, as obras pararam, atrasaram ou nem chegaram a ser iniciadas.


Observado pelo tio Francisco Rodrigues, Francisco Viana cava uma fossa para a casa onde vive 
- Agência O GLOBO / Jorge William



NO BRASIL, 51,4% NÃO TÊM COLETA DE ESGOTO

No último dia 25 de março, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou os resultados de uma auditoria no programa de água e esgoto do Ministério das Cidades, que repassa recursos do PAC por meio da Caixa. De 491 contratos analisados no fim de 2013, 283 (57,6%) se referiam a obras paralisadas, atrasadas ou não iniciadas. Somente 58 (11,8%) foram efetivamente concluídos.


Os contratos somam R$ 10,4 bilhões. O valor das obras paralisadas, atrasadas ou não iniciadas soma R$ 6,6 bilhões, ou 63%. Só os projetos parados correspondem a investimentos de R$ 1,4 bilhão.


O Nordeste concentra a maior quantidade de contratos de obras paralisadas, atrasadas ou nem iniciadas. Quase metade dos contratos analisados, 47%, está na região. Em seguida, o Sudeste, com 27,7% dos contratos com problemas; o Centro-Oeste e o Norte, com 10,6% cada; e o Sul, com 7%.


No Brasil, 51,4% das pessoas não têm acesso a coleta de esgoto e 61% não sabem o que é ter o esgoto tratado, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de 2013. A falta de acesso a água tratada é uma realidade para 17,5% da população. Se mantido o ritmo de investimentos definido para 2011, o 1º ano de mandato da presidente Dilma, a universalização dos serviços de esgoto só ocorreria em 2060 e de água, em 2039.


Porto Rico é um lugar isolado, na periferia de uma região já periférica em Brasília, chamada Santa Maria. As casas surgiram a partir de uma invasão. O coveiro Leandro de Souza, de 27 anos, ocupou um lote há três anos, com a mulher, Marinez Rodrigues, 19. A filha Sarah nasceu há 4 meses.

Tem duas coisas urgentes que a gente precisa aqui: asfalto e rede de esgoto — diz o coveiro.


Leandro, que recebe R$ 873 por mês, construiu uma casa de tijolo. O imóvel tem dois cômodos, sem estrutura para banheiro, que foi improvisado no lado de fora. Ao lado, o jovem cavou uma fossa.


No Porto Rico, parte das famílias lança diretamente nas ruas a água usada na cozinha e a usada no banho. O restante é destinado às fossas. São comuns vazamentos de esgoto. Parte desses lançamentos ocorre a partir da tubulação instalada por meio do PAC. A estrutura, incompleta e sem destinação final, já não suporta a quantidade de esgoto.


A auditoria feita pelo TCU mostrou que a principal causa de paralisação ou atraso das obras de saneamento é a deficiência dos projetos de engenharia. “A qualidade insuficiente dos projetos de engenharia é a face mais visível das carências de gestão, econômicas e de planejamento do setor", cita o relatório. Depois aparecem problemas nas licitações e contratos, na obtenção de áreas necessárias para as obras, no licenciamento ambiental e no repasse de recursos pelo Ministério das Cidades.

 

Os auditores detectaram alterações no sistema da Caixa, como uma obra aparecendo como “concluída” e, meses depois, “paralisada” ou “atrasada”. Alguns projetos ficaram sem evolução por mais de 6 meses. O TCU deu 90 dias para o Ministério das Cidades apresentar um plano de ação com cronograma “visando mitigar as causas de atrasos, paralisações e retardo no início das obras de saneamento”.


O GLOBO enviou questionamentos ao Ministério das Cidades nas últimas quarta e quinta-feiras, com pedidos de informação sobre os atrasos e os problemas das obras de saneamento básico acompanhados pela reportagem. O ministério não respondeu as perguntas.



A assessoria de imprensa limitou-se a dizer que a Secretaria Nacional de Saneamento ainda não foi oficialmente informada sobre a auditoria do TCU. “Só vamos nos pronunciar após o recebimento e a análise que o trabalho do TCU requer”.


Ainda segundo o ministério, “eventuais falhas que possam existir serão corrigidas”. “O Ministério das Cidades, que se pauta pela transparência total das suas ações, acompanha a execução de mais de 2.951 obras obras de saneamento do PAC em todo o país, em parceria com estados e municípios, responsáveis pela execução dos empreendimentos, com recursos que chegam a R$ 85,7 bilhões”.



Leia mais em:

 http://oglobo.globo.com/brasil/metade-das-obras-de-saneamento-do-pais-esta-parada-atrasada-ou-sequer-foi-iniciada-15789094#ixzz3WWuB33UG 



Informações adicionais da AUDITAR com Assessoria de Comunicação do TCU:

No ritmo atual, universalização de coleta de esgoto só ocorrerá em 2060, aponta TCU

 

 O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou auditoria em convênios celebrados entre o Ministério das Cidades e municípios com mais de 50 mil habitantes para a execução física e financeira de obras de saneamento. A constatação do trabalho foi a de que se for mantido o ritmo de investimentos no setor verificado em 2011, último ano dos convênios avaliados, a universalização de coleta de esgoto ocorrerá apenas em 2060. Já a universalização do abastecimento de água só conseguirá ser atingida em 2036.


O objeto da auditoria foi o programa de governo intitulado “Serviços Urbanos de Água e Esgoto”, mais especificamente os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Ao todo, foram avaliados 491 contratos, que totalizam R$ 10,4 bilhões.


A auditoria indicou baixa efetividade do programa. Somente 43 dos 262 contratos de repasse firmados em 2007, ano de início do programa, resultaram em obras concluídas, o que representa menos de 17% do total. Dos 491 contratos fiscalizados, 283 foram considerados não adequados (atrasados, paralisados ou não iniciados).  Outros fatores considerados causas do baixo desempenho do programa foram problemas relacionados às licitações e à execução dos contratos e à indisponibilidade das áreas necessárias para as obras.


O tribunal identificou que entre os fatores explicativos desse cenário de baixa efetividade, destacam-se as contratações esporádicas dos investimentos, com muitas propostas apresentadas em curto espaço de tempo, fator limitante à elaboração de boas propostas e à análise dos projetos pelos agentes envolvidos. Também foram verificadas falhas na etapa de pré-investimento, como projetos deficientes e licitações e contratos mal geridos.


Na tentativa de identificar os problemas que provocam atrasos e descompassos nas obras objeto dos contratos de repasse, o TCU identificou deficiência nos projetos de engenharia formulados pelos proponentes, bem como falhas de diversas naturezas no processo de contratação de empresas para execução dos empreendimentos. A concentração dos convênios por ocasião do lançamento das etapas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) faz com que estados e municípios apresentem propostas às pressas, o que leva, invariavelmente, a projetos sujeitos a frequentes e necessárias revisões durante a execução das obras.


Para o relator do processo, ministro-substituto Weder de Oliveira, “os problemas não têm causa preponderante na insuficiência de recursos alocados às ações do programa, mas em outras áreas que têm dificultado a aplicação dos recursos destinados à área de saneamento”.


O índice de desenvolvimento de saneamento no Brasil, de 0,581, está situado abaixo da média da América do Sul, que é de 0,594, de acordo com estudo elaborado pelo Instituto Trata Brasil em conjunto com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Já em outro trabalho, realizado pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia, em termos de desperdício de água limpa, a média dos países desenvolvidos é de 10%, enquanto no Brasil verifica-se uma perda média de preocupantes 37,6%.


O tribunal determinou ao Ministério das Cidades a elaboração de plano de ação contendo cronograma de implementação de medidas visando mitigar as causas de atrasos, paralisações e retardo no início das obras de saneamento básico custeadas com os recursos repassados.


Leia a íntegra da decisão: Acórdão 593/2015 - Plenário  

Acesse também: apresentação de slides sobre o processo 
Processo: 003.997/2014-6
Sessão: 25/3/2015




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