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Publicado em 06 de abril 2014 as 19:41
O JUIZ E A LEI Artigo de autoria do Auditor Federal de Controle Externo Artur Adolfo Cotias da Silva.

Surpreende, às vezes, a força com que o passado ressurge no presente. Com determinismo semelhante ao que impele a herança genética a induzir repetições imprevistas de comportamentos e maneiras de antepassados em descendentes que sequer os conheceram. Parece que, como diz a expressão positivista de Augusto Comte, os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos.

 

Em artigo escrito em 1911, sob o título ora tomado por empréstimo, redigido a propósito de um habeas corpus impetrado perante o Supremo Tribunal Federal, Rui Barbosa foi o porta-voz de um sentimento que parecia ser de toda a nação. “Quando uma sociedade inteira se abate assim nesse esmorecimento, em que o Brasil vai soçobrando, como um navio que se abisma, não admira que até aos topos mais altos da consciência, até aos cimos da Justiça, chegue sopro deprimente desse desânimo funesto”. Os mesmos ventos de desalento agitam o país neste momento em que se discute a indicação de um novo ministro para o Tribunal de Contas da União, em vaga aberta com a aposentadoria do ministro Valmir Campelo. Agitam-se e avolumam-se a ponto de ameaçar atingir as alturas mencionadas por Rui Barbosa.

 

A sociedade, por meio da imprensa e das associações de classe, tem veiculado críticas ao nome cogitado para a vaga, sob o argumento de que ele responde a seis inquéritos em tramitação no STF, por crimes contra o patrimônio, lavagem de dinheiro, corrupção, peculato, entre outros, e que, portanto, não tem a reputação ilibada exigida pela Constituição Federal para o exercício do cargo pretendido (art. 73, § 1º, inciso II).

 

Argumenta-se, em favor da indicação, e em homenagem ao princípio da presunção de inocência, que nunca houve condenação judicial. Poder-se-ia argumentar em réplica: e se dos inquéritos resultar condenação posterior à investidura no cargo de ministro? Estará configurada a inconstitucionalidade? Como se resolverá a questão? Em 1893, ao comentar a recém promulgada Constituição do Brasil de 1891, em parecer hoje abrigado na obra intitulada “Atos Inconstitucionais”, Rui Barbosa já advertia que inconstitucionalidade importa nulidade, tendo registrado, ainda na infância organizacional, administrativa e jurisprudencial de nosso Supremo Tribunal Federal e do controle de constitucionalidade instituído pela Carta de 1891, em questão ainda “virgem no foro brasileiro”, a premissa de que “toda medida, legislativa ou executiva, que desrespeitar preceitos constitucionais, é, de sua essência, nula”.

 

Debate jurídico à parte, as instituições públicas brasileiras têm diante de si grande oportunidade de provar seu amadurecimento. Pode o governo efetivar a indicação do provável candidato? Sem dúvida. Pode o Parlamento aprovar a indicação? Certamente que sim. Pode a Justiça calar-se diante de possível agressão a dispositivo constitucional? Lamentavelmente, a resposta também é afirmativa. Tudo isso pode ocorrer. Mas têm os poderes constituídos a rara fortuna de se tornarem protagonistas de uma decisão que vire a página da história. Cabe-lhes o poder de soprar para longe os ventos do desencanto. À sociedade, aos cidadãos, cabe o direito de expressar sua insatisfação, ainda que com perigosa timidez. Como ressalvou Rui Barbosa, “desculpemos à fragilidade humana essas impressões explicáveis num estado epidêmico de prostração moral. Mas nem por isso transijamos, os que ainda queremos reagir, com a consagração desses movimentos de tibieza em normas de proceder e regras de julgar”.

 

Às instituições públicas, às que ainda querem reagir, cabe o relevante papel de demonstrar à sociedade que a lei – neste caso a maior de todas elas – impera sobre todas as circunstâncias, e que se situa acima de acordos e conveniências. Os juízes dessa questão, sejam eles investidos em funções executivas, legislativas ou judiciárias, não podem se esquivar ao império desse dever, pois que, como sentenciou Rui Barbosa, essa atitude iria “esmorecer as vítimas e animar os algozes”.

 

Brasília, 6 de abril de 2014

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